sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Escravos modernos pescam para a Europa
Nas águas desprotegidas da África Ocidental, barcos de pesca piratas exploram mão-de-obra escrava em condições desumanas. Uma organização ambiental revela que a maior parte das espécies que capturam tem como destino os mercados da Europa.
Felicity Lawrence - Robert Booth
Achei bastante interessante este artigo do Guardian - jornal inglês - e resolvi publica-lo no meu espaço, por achar que todas as violações humanas e ambientais têm que ser divulgadas.
Quando os ambientalistas começaram a seguir um arrastão sul-coreano equipado com alta tecnologia, na costa ocidental de África, estavam à procura de encontrar provas de pesca ilegal que justificassem a diminuição da quantidade de peixe naquela zona. Mas acabaram por descobrir algo completamente diferente: Uma tão extrema degradação humana que evoca a escravatura que todos pensávamos ter sido abolida há mais de um século.
“Era horrível”, disse Duncan Copeland, um militante sénior da Fundação para a Justiça Ambiental, que embarcou no arrastão da Coreia do Sul, no final de 2008, com as forças navais da Serra Leoa. “Os homens estavam a trabalhar nos porões de peixe, sem ar nem ventilação, com temperaturas entre os 40 e os 45 graus. Tudo estava enferrujado, gorduroso, quente e suado. Nas cozinhas havia baratas por todos os lados e a comida dos trabalhadores estava armazenada em caixas nojentas. Uma bomba puxava a água salgada com que se lavavam. Todos cheiravam muito mal. Era um espectáculo devastador.”
À medida que a investigação foi avançado, a fundação encontrou navio após navio, alguns deles com mais de 40 anos, enferrujados e em muito mau estado, envolvidos na pesca pirata – uma actividade ilegal que causa grandes danos nas já de si frágeis quantidades de recursos marinhos e que explora o trabalho humano de forma chocante. Todos os barcos envolvidos tinham números da UE, o que indica que possuíam licença europeia de importação e, teoricamente, tinham passado por apertadas fiscalizações de condições de higiene.
Os 36 membros da tripulação do barco abordado por Copeland eram da China, do Vietname, da Indonésia e da Serra Leoa. Oito homens partilhavam um pequeno espaço sem janelas, no porão de peixe, com quatro “camas” feitas de papelão colocado sobre pranchas. Enquanto quatro deles trabalhavam no porão, na triagem e embalamento de peixe destinado ao mercado europeu, os outros quatro dormiam, e depois alternavam, literalmente saltando das camas para darem lugar ao turno de descanso seguinte.
Mais de 18 horas seguidas de trabalho
Os tripulantes originários da Serra Leoa contaram que não recebiam o pagamento em dinheiro mas sim em caixas “desperdícios” de peixe – os peixes que, por causa da espécie ou do tamanho, são rejeitados pelo mercado europeu – que vendem localmente. E se se queixarem são abandonados pelo capitão na praia mais próxima, acrescentaram.
Em maio, cerca de 150 homens senegaleses foram encontrados a trabalhar num barco da Serra Leoa; trabalhavam mais de 18 horas seguidas, de dia e de noite, e comiam e dormiam num espaço que tinha menos de um metro de altura. O barco tinha um número de licença de exportação de peixe para a Europa, provando assim que, aparentemente, tinha passado nas apertadas fiscalizações.
A fundação encontrou muitos arrastões assim no mar, com tripulações a bordo, e alguns deles a navegar há mais de um ano sem rádio e equipamento de segurança. “Fui mandado para aqui pela empresa”, diz um pescador de um arrastão encontrado na costa da Guiné. “A empresa manda um barco de mantimentos trazer-me comida como peixe e camarões. Ninguém quer vir para cá.”
As histórias dos pescadores revelam os custos humanos da pesca pirata, um negócio que se estima envolver a captura de cerca de 11 mil toneladas de peixe por ano, no valor de 10 mil milhões de dólares (6.3 biliões de libras). Os navios ficam no mar durante meses a fio e, de duas em duas semanas, recebem a visita de outros barcos que vêm trazer mantimentos e que levam para terra o peixe entretanto pescado. Como operam em águas longínquas, conseguem não ser descobertos durante longos períodos. As tripulações estão, de facto, presas, a maior parte dos homens não sabe nadar e muitos daqueles com quem os activistas da Fundação para a Justiça Ambiental falaram encaixam na definição das Nações Unidas para trabalho forçado. Copeland garante que são muito frequentes os casos de violência, retenção de pagamentos e de documentos.
Barcos usam bandeiras de conveniência
Os investigadores encontraram uma tripulação de 200 senegaleses a operarem ao largo da Serra Leoa. Os homens viviam numa estrutura improvisada construída na popa do navio, dividida em quatro andares com pouco mais de um metro de altura cada um e caixas de cartão empilhadas a servirem de colchões. O barco não constava da lista oficial de navios com licença de pesca na Serra Leoa, na altura em que foi avistado. Os registos provavam que tinha estado em Las Palmas, nas Ilhas Canárias, que é o principal ponto de desembarque do peixe quem vem da África ocidental para a Europa e cujas autoridades têm sido muito criticadas por destacados funcionários da UE pelo seu laxismo nas fiscalizações.
Mas o interesse original dos investigadores, quanto às populações de espécies de peixes existentes, também produziu resultados preocupantes. Vários dos navios abordados pela fundação eram arrastões de fundo, com licença de exportação para a UE, que apanhavam espécies com grande valor comercial como o camarão, a lagosta e o atum. Como o seu nome indica, estas embarcações usam uma técnica que consiste em arrastar pesadas correntes no fundo do mar, arrancando tudo o que encontram no seu caminho, incluindo corais. Num dos casos, o barco tinha deitado borda fora mais de 70% da captura.
A fundação afirma que a maior parte da pesca ilegal é levada a cabo por barcos que usam bandeiras de conveniência. Segundo o direito marítimo internacional, o país no qual o barco está registado é responsável pelas suas actividades. Alguns países permitem o registo de barcos de outras nacionalidades a troco de algumas centenas de dólares e são famosos por ignorarem as infracções.
Os navios pirata podem mudar de bandeira várias vezes na mesma temporada e também mudam frequentemente de nome. Por trás deles estão quase sempre empresas de fachada, o que torna praticamente impossível descobrir quem são os seus verdadeiros donos e, consequentemente, a aplicação da lei é extremamente difícil. A multa máxima para a pesca ilegal ronda os 100 mil dólares, uma quantia muito menor do que o lucro normalmente conseguido em duas semanas neste género de negócio, explica a Fundação Justiça Ambiental.
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